Considerações Sobre a Norma Técnica PETROBRAS N-1707 11/2010
Introdução
Tomamos conhecimento da Norma Técnica PETROBRAS N-1707 Rev. C 11/2010 que contém nos seus itens 3.1-NOTA e 4.2.2 restrição ao uso de chapas cladeadas por explosão convencional com espessura da chapa base inferior a 19 mm. Especifica também no item 4.3.5 condições para o Tratamento Térmico de Alívio de Tensões, determinando o uso de materiais com menor susceptibilidade à sensitização, ou seja, aços inoxidáveis de baixo teor de carbono. Assim, julgamos necessário e oportuno que sejam feitas algumas considerações técnicas sobre o assunto, com o intuito de ponderar a limitação imposta pela Norma e tentar contribuir com subsídios julgados úteis à melhor compreensão do processo de cladeamento por explosão.
O processo de cladeamento por explosão
O cladeamento de metais por explosivos é um exemplo de processo de soldagem no estado sólido. Esta difere da soldagem por fusão pelo fato de não haver mudança de fase da interface e a ligação produzida ser decorrente da ação de forças interatômicas de atração que se desenvolvem entre os átomos das duas superfícies unidas. A maioria dos pesquisadores concorda que o processo de soldagem por explosão ocorre em consequência da formação de um jato metálico de alta velocidade resultante do impacto oblíquo entre os materiais que irão se soldar. A aplicação mais importante é, sem dúvida, a produção de chapas bimetálicas em aços carbono revestidos com aço inoxidável, titânio, cobre e ligas de cobre como latão naval, níquel e ligas de níquel como o Inconel, Hastelloy e Monel e alumínio que são produzidas em grandes quantidades pelo processo de soldagem por explosivos principalmente nos Estados Unidos da América do Norte, Alemanha, Grã-Bretanha, Japão, Suécia e Brasil. Na prática, os materiais a serem soldados são dispostos horizontalmente, com a chapa base no solo e a chapa de revestimento, ou chapa móvel, separada da chapa base por espaçadores convenientemente calculados. Na superfície superior da chapa móvel é aplicada uma camada uniforme de explosivo. A detonação do explosivo projeta a chapa móvel sobre a base. As pressões geradas na região de impacto são de tal ordem que, em consequência das elevadas tensões de cisalhamento produzidas, a resistência ao cisalhamento dos materiais passa a ser desprezível, comportando-se o metal como um fluido de baixa viscosidade, que serve para remover todas as camadas de óxidos que inibiriam a soldagem. Quando todos os parâmetros são adequadamente controlados a interface da solda tem a aparência de uma onda regular. A ondulação, além de ser característica, origina propriedades únicas que distinguem os materiais obtidos por explosão de outros processados convencionalmente.
A previsão dos parâmetros para obtenção de determinado tipo de interface envolve algumas condições de contorno, tais como:
1- A condição limite para formação do jato metálico é determinada pela relação entre a velocidade de colisão e a velocidade do som do material da chapa base ou pela relação entre a velocidade da chapa móvel e a velocidade do som do seu material.
2- Uma pressão crítica de impacto é indispensável, pois abaixo desta não ocorre a soldagem. Esta pressão pode ser associada à velocidade mínima de impacto da chapa móvel.
3- A existência de uma velocidade de escoamento (ponto de colisão) crítica ou de transição entre regime turbulento (formação de ondas na interface) e laminar (interface plana) foi observada por alguns pesquisadores.
4- Acima da velocidade mínima de impacto, as condições para obtenção das melhores propriedades mecânicas podem ser associadas à energia cinética fornecida pela chapa móvel na zona de impacto.
5- A distância de separação entre a chapa móvel e a chapa base deve estar entre limites que permitam à chapa móvel atingir sua velocidade máxima.
6- A velocidade de detonação do explosivo deve estar diretamente ligada com as propriedades sônicas dos materiais das chapas e com a configuração inicial destas (inclinada ou paralela).
Qualidade de Chapas Bimetálicas Cladeadas por Explosão
Na década de 1970, na fase de implantação no Brasil da tecnologia de Processamento de Metais por Explosão, foram conduzidos pelo IPT, estudos de desenvolvimento e produção de chapas bimetálicas de grandes dimensões, de aço inoxidável com 3 mm de espessura em aço carbono, por serem do interesse da PETROBRAS. As conclusões estão contidas pelo menos em dois trabalhos publicados na época. O Boletim Técnico PETROBRAS, Rio de Janeiro, 20 (3): 193-203, jul./set. 1977, publica o Relatório Produção Experimental de chapas cladeadas soldadas por explosão apresentando os resultados da avaliação técnica e econômica do emprego do processo de soldagem por explosão, desenvolvido pelo IPT na produção experimental de chapas de aço carbono ASTM A 516, grau 70 e aço inoxidável ASTM A 240, tipo 304, tendo por base a especificação ASTM A 264. O Relatório foi elaborado pelos Engenheiros Sérgio Luiz Benini e José Paulo Silveira, ambos do DIOBI/SEGEN.
As conclusões foram as seguintes:
4- O processo de soldagem por explosão desenvolvido pelo IPT produz chapas cladeadas de qualidade satisfatória em relação aos requisitos da especificação ASTM A 264, quando a espessura da chapa base é igual ou superior a 19 mm (3/4 pol.).
5- Para chapas base de espessura inferior a 19 mm, o processo de soldagem requer ainda pesquisas adicionais. Essas chapas poderão satisfazer à especificação ASTM citada, desde que submetidas ao tratamento térmico após a soldagem e que sejam avaliadas as consequências desta operação sobre a resistência à corrosão do aço inoxidável.
6- O processo de fabricação pode proporcionar uma economia apreciável de moeda estrangeira, além de, nas condições do mercado nacional, competir com o processo de laminação, para espessuras superiores a 20-25 mm (dados relativos à combinação aço carbono/aço inoxidável tipo 405).
Estudos adicionais foram conduzidos pelo IPT, em prosseguimento à produção de chapas cladeadas por explosão de aço inoxidável em aço carbono, com espessuras da chapa base inferiores a 19 mm.
O trabalho do IPT Qualidade de Chapas Bimetálicas de Aço Inoxidável - Aço Carbono obtidas por Explosão publicado na Revista METALURGIA-ABM, Vol. 34, N° 250, Set. 1978, contem as experiências realizadas, os resultados obtidos, os ensaios de avaliação e as conclusões. Os ensaios de qualificação foram realizados nos Laboratórios de Materiais e Metalografia, supervisionados pelo Eng. Metalúrgico Tibério Cescon da Divisão de Metalurgia daquele Instituto. Os ensaios conduzidos permitiram concluir que os resultados obtidos estavam dentro dos limites das exigências da norma ASTM A 264, com uma exceção: alguns corpos de prova com espessura total de 14,3 mm não passaram no ensaio de dobramento. Outrossim, todos os corpos de prova que falharam foram cortados tendo a maior dimensão paralela à frente de ondas, na interface. Todos aqueles cortados com o comprimento transversal à frente de ondas, passaram no ensaio. Desta observação pode-se deduzir que as ondas na interface imprimem características de 'frisos de endurecimento'. Para explicar este efeito pode-se fazer uma analogia com papelão corrugado: Espécimes cortados com o comprimento paralelo aos frisos da corrugação resistem quando submetidos ao dobramento e quebram com facilidade. Quando, porém, os espécimes são cortados no sentido transversal aos frisos da corrugação, oferecem pouca resistência ao dobramento e não quebram quando dobrados até 180°. Usando esta analogia, por demais simples, e admitindo que as ondas na interface agem como 'virolas', consideremos o que pode acontecer num ensaio de dobramento quando a linha for transversal à direção de propagação da onda e o aço carbono estiver sob tração: como a carga aumenta a tensão nos pontos mais afastados da face do inox, as 'virolas' (dobras) atingem o limite de escoamento antes do inox.
A deformação começa nos frisos ao longo da linha sob carga. A rigidez das fibras adjacentes força o escoamento a prosseguir na linha sob carga. Como o aço é relativamente fino comparado com as outras chapas bimetálicas, e tendo em vista que o inox resultou endurecido com o trabalho a frio, o inox domina o ensaio de dobramento causando o rompimento do aço. Os resultados dos ensaios e problemas descritos parecem ser os únicos dos quais, pelo nosso conhecimento, nada foi reportado ainda na literatura internacional, até a época dos nossos estudos. Possivelmente pelo fato da soldagem por explosivo, de chapas relativamente finas, não ser comercialmente competitiva em países onde o aço inoxidável é produzido em larga escala, ou pela colaminação, que é usada para produção de chapas bimetálicas. A conclusão deste estudo foi que o Brasil estava em condições de produzir chapas bimetálicas dentro das especificações requeridas, mas com uma limitação técnica na espessura total, provavelmente em 15,8 mm, abaixo da qual as exigências ao ensaio de dobramento não podiam ser atendidas sem o alívio de tensões por tratamento térmico. Posteriormente, na década de 1990, estudos conduzidos pelo
Eng. João Bosco da Silva Bastos (informação particular/interna) permitiram concluir e recomendar os seguintes procedimentos:
1- Em chapas cladeadas por explosão com espessuras de aço carbono como chapa base de 15,8 mm e espessuras inferiores, utilizar aços inoxidáveis austeníticos tipo 304L/316L ao invés de 304/316, o que é uma condição de projeto dos vasos de pressão.
2- Realizar TTAT conforme ASME Seção VIII, Div I com resfriamento controlado e rápido ao passar pela temperatura de 450 °C para evitar eventual sensitização. O tratamento térmico visa reduzir as tensões introduzidas pela soldagem por explosão, restituindo a ductilidade do aço carbono, possibilitando a resistência necessária do material ao ensaio de dobramento como prescrito na ASTM A264
3- Estas duas soluções associadas reduzem drasticamente a formação de carbetos de cromo com a consequente diminuição de perda do cromo na estrutura do aço inox 304L/316L evitando que haja diminuição da resistência à corrosão ou corrosão em contornos de grão pela formação destes carbetos de cromo decorrentes da realização do TTAT
Considerações Finais
No estudo do embasamento científico de Processamento de Metais por Explosivos, um ponto fundamental é o estudo da interação explosivo e material metálico, partindo-se dos três princípios fundamentais da física aplicados à interação de materiais de diferentes impedâncias:
1°- Lei da conservação de massa (massa interceptada por uma frente de onda = massa atrás da frente de onda);
2°- Lei da conservação de momento (impulso = quantidade de movimento)
3°- Lei da conservação de energia (trabalho = variação de energia cinética + variação de energia interna).
Em nenhuma equação resultante, usada na determinação dos parâmetros para a soldagem por explosão, é levada em conta a influência das condições externas aos materiais. O que governa são as condições intrínsecas dos materiais. Como foi mostrado anteriormente, a soldagem de diferentes materiais com o uso de energia liberada de uma explosão ocorre se houver um impacto suficiente, e este ocorre se a chapa móvel for dotada de uma velocidade mínima para tal. No cladeamento a vácuo, as propriedades dos materiais não se alteram. Por estar no vácuo, é de se imaginar que se necessite de menos impulso (menos explosivo) para imprimir à chapa móvel a velocidade mínima necessária ao impacto de boa soldagem, isto é, energia de impacto igual ou ligeiramente superior à energia de deformação plástica dos materiais e formação de jato metálico, condição mandatória para que ocorra a soldagem. Ou seja, a velocidade da chapa móvel e, consequentemente o impacto, são os mesmos do processo a céu aberto. É oportuno ressaltar, ademais, que a resistência atmosférica pode ser considerada desprezível diante da magnitude da pressão de detonação do explosivo. Assim, concordamos que o processo a vácuo apresenta uma significativa vantagem em relação aos problemas de meio ambiente, com a supressão do ruído da explosão o que permite que o processo seja realizado em locais planos e habitados. Salvo avaliação mais acurada, temos dúvidas sobre outras eventuais vantagens propagadas desse processo, em relação àquelas dos materiais processados a céu aberto. Finalmente, queremos com os argumentos aqui apresentados, ponderar sobre o limite preconizado na bem elaborada Norma PETROBRAS N-1707: limite de 19 mm como espessura mínima para chapa base, nas chapas cladeadas por explosão dita convencional, uma vez que sob o ponto de vista técnico, são produzidas rotineiramente, chapas bimetálicas por explosão, com espessuras menores, atendendo aos requisitos das especificações. Esperando a revisão cabível desse limite, que se reflete no produto nacional, a MULTICLAD se coloca inteiramente à disposição da PETROBRAS para eventuais aprofundamentos que venham contribuir para o enriquecimento dos fundamentos da atrativa tecnologia de Processamento de Metais por Explosão, implantada e usada industrialmente em nosso País, com qualidade assegurada.
